Novas Regras do Mercado Livre de Energia no Brasil: Uma Breve Reflexão

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Por Thiago Quintanilha de Almeida e André Corradi.

A partir de janeiro de 2024, conforme a Portaria Normativa N° 50/GM/MME de
27/09/2022, todas as unidades consumidoras do “Grupo A” – que recebem energia da
concessionária com uma potência maior, em tensão igual ou superior a 2,3 kV – passaram a
poder operar no Ambiente de Contratação Livre (“ACL”), independentemente de seu
consumo mínimo.

Tal alteração permitiu que pequenas e médias empresas passem a se beneficiar da
flexibilidade e das vantagens econômicas do mercado livre, mas também apresenta uma série
de desafios e pontos de atenção para esse mercado em expansão.

A fim de facilitar a migração das pequenas e médias empresas no novo mercado, a
Portaria prevê que a representação do consumidor perante a Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (“CCEE”) será realizada pelo próprio agente varejista. Assim, ao invés do
cliente se associar diretamente e operar dentro do Mercado Livre de Energia, é o
comercializador quem faz a habilitação junto ao órgão, a fim de representar o cliente nas
negociações. Assim facilitou-se o processo de migração das empresas, permitindo que tanto
grandes negócios quanto empresas menores possam negociar livremente a compra de energia.

O agente varejista, portanto, não só auxilia na adesão e na gestão operacional, como
também realiza a representação junto à CCEE e cuida da contabilização e gestão financeira no
mercado livre.

Além disso, a nova regulamentação permite que todos os consumidores,
independentemente da carga, possam contratar qualquer tipo de fonte de energia, não se
limitando apenas a fontes renováveis, de modo a oferecer maior flexibilidade na escolha de
fornecedores e otimizar os custos operacionais das empresas.

Eis porque tal abertura é tão atrativa e relevante: o Mercado Livre de Energia
representa uma excelente oportunidade para diversas empresas optarem por matrizes de
energia renovável, ao mesmo tempo em que contratam a energia de maneira antecipada e com
valores pré-estabelecidos, tornando a despesa com tal insumo um fator previsível e
determinado.

Recentes impactos relativos ao Crescimento do Mercado Livre

Segundo dados da CCEE, apenas no primeiro semestre após a abertura do mercado
livre de energia para toda a alta tensão, 10.956 novos consumidores migraram para esse
segmento e passaram a escolher seu fornecedor de eletricidade.

Entre janeiro e junho de 2024, o número de novas adesões já superou o total de todo o
ano de 2023. A maioria dos novos participantes são empresas de médio e pequeno porte,
atuantes nos setores de comércio, serviços e indústria. Uma novidade significativa é o registro
de um número considerável de pessoas físicas entrando no mercado.

Se por um lado a notícia da grande expansão do mercado é recebida com ótimos olhos,
o aumento exponencial da contratação na modalidade do mercado livre de energia também
traz consigo o aumento de potenciais litígios, bem como de buscas por esclarecimentos acerca
da contratação. Assim, importante observar alguns relevantes detalhes presentes nos
Contratos pactuados entre os utilizadores do insumo (energia elétrica) e os agentes Varejistas.

Aspectos Jurídicos e Contratuais

O crescimento acelerado do mercado livre de energia, ao mesmo tempo em que traz
grandes benefícios econômicos e ambientais, também impõe desafios significativos no âmbito
jurídico e contratual. Para garantir a segurança e a eficiência das transações, é crucial
compreender os aspectos regulatórios e contratuais que orientam o funcionamento deste
mercado. Assim, importante considerarmos as implicações jurídicas do não cumprimento das
obrigações contratuais, bem como a importância do pré-contrato, da reserva de energia e dos
estudos prévios de viabilidade do projeto.

Importância do Contrato Preliminar

O contrato preliminar – ou pré-contrato – desempenha um papel fundamental na
formalização das relações comerciais no mercado livre de energia. Ele estabelece as
condições básicas que serão detalhadas no contrato definitivo e oferece uma estrutura inicial
para o relacionamento entre as partes.

Além disso, no mercado livre de energia, o contrato preliminar é prática corriqueira e
estratégica devido à complexidade e ao impacto significativo dos acordos de fornecimento de
energia. A natureza do setor exige que as partes envolvidas formalizem as intenções e
condições antes da assinatura do contrato definitivo, dado o valor substancial e os
compromissos envolvidos, principalmente a alocação da energia contratada e já delimitado no
pré-contrato.

Considerando que o fornecimento de energia geralmente envolve grandes volumes e
compromissos de longo prazo, torna-se essencial um entendimento (acordo) preliminar claro
entre as partes, para evitar qualquer tipo equívoco ou conflitos, e garantir a conformidade com
as condições acordadas.

Ainda, o pré-contrato é de extrema importância aos agentes varejistas, porque
possibilita a preparação detalhada antes da formalização do contrato definitivo – que, viabiliza
o planejamento do agente e a efetiva alocação de reservas de energia e ajustes operacionais
necessários, fatores imprescindíveis para o melhor desempenho do setor.

Tendo em vista o significativo aumento da demanda no Mercado Livre de Energia
desde o início do ano, passou-se, consequente e inevitavelmente a se discutir sobre os efeitos
jurídicos dos Contratos Preliminares assinados pelas partes.

Assim, importante dizer que a doutrina e a jurisprudência entendem que, referido
instrumento contratual gera efetivo vínculo entre as partes, de modo a gerar o compromisso de
celebração futura de um contrato principal, em regra formal ou real, e dele já constando todos
os elementos deste, não mais caracterizando-se como simples promessa.

Nesse sentido, é possível definir o contrato preliminar (ou pacto de contrahendo),
como o negócio jurídico bilateral por meio do qual as partes, uma delas ou todas, assumem

obrigação de concluir futuramente um contrato definitivo, com o qual não se confunde, mas
cujos elementos essenciais as partes devem pré-estabelecer em discussões anteriores.1

Dessa forma, o objeto do pré-contrato é uma declaração de vontade de negócio capaz
de celebrar um outro contrato, o definitivo. Está-se, pois, diante de um instituto de imensa
relevância prática e social, sendo inúmeras as razões que estão na estrutura de sua utilização.

Tal relevância permite, inclusive, que se estabeleça a responsabilidade civil em caso
de quebras de expectativas e não cumprimento do quanto disposto no Pré Contrato,
principalmente por meio de cláusulas penais, configurando-se como Título Executivo
Extrajudicial, desde que respeitadas as demais formalidades para formação e higidez de tal
título.

As principais funções dos “Contratos Preliminares”.

  • Clareza e Segurança Jurídica: O pré-contrato define de maneira clara as
    obrigações e expectativas de ambas as partes, criando um fundamento sólido para a
    formalização do contrato definitivo. Isso ajuda a prevenir disputas e oferece uma base
    segura para a negociação dos termos finais.
  • Gestão de Expectativas: Ao estabelecer as condições iniciais, o pré-contrato
    ajuda a alinhar as expectativas das partes, garantindo que ambas compreendam e
    concordem com os principais aspectos do acordo antes da formalização.
  • Resolução de Conflitos: Em caso de desacordo, o pré-contrato pode servir
    como referência para resolver disputas, ajudando a determinar se houve ou não
    descumprimento das obrigações acordadas.

Reserva de Energia e Seus Efeitos Jurídicos

A reserva de energia é um aspecto crucial para garantir que a quantidade acordada de
eletricidade esteja disponível para o consumidor durante o período contratual. As implicações
jurídicas da reserva de energia incluem:

  • Garantia de Fornecimento: A reserva de energia assegura que o consumidor
    tenha acesso contínuo à eletricidade necessária para suas operações, prevenindo
    interrupções e garantindo que a empresa possa funcionar sem problemas.
  • Penalidades por Falta de Reserva: A ausência de reserva de energia pode
    resultar em penalidades contratuais, conforme estipulado no contrato. Isso pode incluir
    multas ou compensações financeiras que visam cobrir os custos adicionais ou
    prejuízos causados pela falha no fornecimento.
  • Impacto na Relação Comercial: A falha em manter a reserva de energia pode
    prejudicar a relação entre as partes, levando a litígios e à necessidade de resolução
    judicial para tratar as questões relacionadas ao fornecimento inadequado.

Conclusão

O mercado livre de energia no Brasil tem vivenciado uma expansão significativa,
impulsionada pela flexibilização das regras e pela crescente adesão de empresas de diversos
portes e setores. As novas diretrizes de 2024, como a remoção do limite mínimo de consumo
e a introdução da representação por agentes varejistas, têm ampliado o acesso e a flexibilidade
para as pequenas e médias empresas. Essas mudanças não apenas facilitam a migração para o
ambiente de contratação livre, mas também promovem um ambiente mais competitivo e
eficiente.

A complexidade do mercado livre de energia demanda uma abordagem cuidadosa e
informada, especialmente no que diz respeito aos aspectos jurídicos e contratuais. O pré-
contrato, em particular, emerge como um instrumento vital, oferecendo uma estrutura inicial
que estabelece claramente as intenções, obrigações e condições entre as partes. Este
instrumento é crucial para garantir clareza e segurança jurídica, ajudando a alinhar as
expectativas e a minimizar disputas futuras.

Além disso, a reserva de energia e a escolha criteriosa dos agentes varejistas são
aspectos essenciais para o sucesso das transações no mercado livre. A reserva de energia
assegura que a quantidade necessária de eletricidade esteja disponível, prevenindo
interrupções e penalidades contratuais. Já o estudo prévio dos agentes varejistas é
fundamental para evitar problemas de gestão e inadimplência, garantindo que a administração
dos contratos de energia seja realizada de maneira eficaz e conforme as normas.

Em suma, a expansão do mercado livre de energia oferece oportunidades valiosas para
empresas e consumidores, mas também impõe a necessidade de uma abordagem cuidadosa e
estratégica. A compreensão e o manejo adequado dos aspectos regulatórios e contratuais são
essenciais para aproveitar ao máximo os benefícios do mercado livre, minimizando riscos e
assegurando uma operação eficiente e sustentável. As mudanças recentes e o crescente
número de adesões indicam um mercado dinâmico e em constante evolução, onde a atenção
aos detalhes contratuais e regulatórios desempenha um papel crucial para o sucesso a longo
prazo.

1LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore. Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 553.

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio do Chatack, Faiwichow & Faria Advogados, especialista
em Contencioso Cível Estratégico, Pós-Graduado pela Faculdade Getúlio Vargas e Mestre em
Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.
André Corradi é assistente jurídico do Chatack, Faiwichow & Faria Advogados, com
experiências nas áreas de Contencioso Cível Estratégico, responsabilidade civil, contratos e
outros.

ANDRÉ CORRADI

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

André atua nas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico, envolvendo direito civil, recuperação judicial, dentre outros.

Tem experiência em responsabilidade civil, contratos, direito do consumidor e outros.

 

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do Lobo de Rizzo Advogados.

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT).

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Mannheimer, Perez e Lyra advogados Advogados (MPL).

THIAGO QUINTANILHA

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.
Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).
 

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
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