A necessidade de refletir sobre a tributação indireta da economia digital – JOTA Info

Discussões envolvendo o Pacto Federativo são relevantes, porém, é necessário ter em mente as funções do Estado Brasileiro.
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Texto publicado no Jota Info

A discussão envolvendo a tributação indireta da economia digital teve mais um capítulo com a edição da Lei nº 8.795/2020, pelo Estado do Rio de Janeiro, que dispõe sobre a cobrança e o recolhimento do ICMS “incidente” nas operações denominadas como “transferência eletrônica de dados”.

Apesar de o instrumento normativo possuir controvérsias materiais (e.g. Streaming como fato gerador do ICMS; sujeito passivo que deve repassar ao erário o tributo recolhido; local de incidência do imposto etc.), o que se objetiva, com o presente texto, é levantar uma reflexão sobre como a “Guerra Fiscal” envolvendo os tributos indiretos prejudicam o desenvolvimento e o fomento de novos investimentos no setor de tecnologia no Brasil.

É notório e sabido que, devido a COVID-19, o setor de tecnologia se tornará ainda mais importante nas relações pessoais e comerciais. Uma forma de verificar o direcionamento do mercado pode ser feito mediante análise das ações (valores mobiliários) de determinadas Companhias que atuam em ambiente digital listadas na NASDAQ[1], como Amazon, Netflix e Zoom, que registraram, no meio da pandemia, sua maior alta (vale mencionar que a NASDAQ é a bolsa de valores americana responsável pela listagem das principais “empresas de tecnologia”).

Fazendo um paralelo entre a bolsa americana e a bolsa brasileira (B3), de 01/01/2020 a 30/04/2020, o índice NASDAQ caiu apenas 2,23%[2], enquanto a queda do Ibovespa foi de 32,1%[3] – a bolsa de Nova Iorque (NYSE) apurou queda de 18,7%[4]. Tal fato demonstra a relevância do setor de tecnologia, especialmente no atual momento, que combina pandemia e a aceleração da revolução tecnológica e da digitalização da economia.

Neste contexto, merecem ser levantadas questões acerca dos motivos que atrasam o Brasil, em comparação aos outros países, no desenvolvimento e monetização de novas tecnologias. Entre outros fatores, como, por exemplo, a falta de mão-de-obra qualificada, investimentos públicos e infraestrutura, o país tem dificuldade em atrair o capital privado por causa do denominado “custo brasil”, que envolve a burocracia e a insegurança jurídica das empresas (brasileiras e estrangeiras) em atuar no setor.

Sob um ótica fiscal, esta insegurança jurídica deriva do fato de que os contribuintes não conseguem, e.g., mensurar os custos fiscais incorridos para o desenvolvimento das atividades, dado que cada ente federativo possui interpretação dissociada do outro, buscando, exclusivamente, majorar a sua arrecadação (mais especificamente com relação ao ICMS – estadual –  e o ISS – municipal).

Isto ficou evidente com a edição da Lei nº 8.795/2020, pelo Estado do Rio de Janeiro. Vejamos o seguinte exemplo: uma empresa que atua no setor de streaming de vídeos se instalará no Município do Rio de Janeiro/RJ e solicita uma consultoria fiscal buscando aferir qual tributo deve recolher em suas atividades (ISS ou ICMS). Honestamente, achamos pouco provável (para não dizer impossível), dado o atual cenário, que seja factível responder esta pergunta com 100% de certeza. Agora, por sua vez, se esta mesma empresa fosse se instalar no Município de São Paulo/SP, poderíamos responder que, ao menos, o ICMS não seria devido, dado o posicionamento da Fazendo do Estado de São Paulo (Portaria CAT nº 24/2018).

O exemplo dado acima gera enorme estranheza, mas, infelizmente, é a realidade enfrentada pelas empresas de tecnologia quando o assunto é a tributação indireta da economia digital no país.

Para piorar, diversos outros exemplos podem ser apresentados por empresários, advogados, consultores, contabilistas, acadêmicos sobre a tributação direta e indireta da economia digital, que pode ser facilmente (e infelizmente) expandido para a esfera federal, quando se trata de (i) percentual de presunção do IRPJ/CSLL (para empresa do Lucro Presumido); ou (ii) incidência, ou não de IRRF, CIDE, PIS/COFINS-Importação nas operações envolvendo “transferência eletrônica de dados” – sem adentrar sobre aspectos envolvendo tratados para evitar a dupla tributação.

Ao buscar socorro em conceitos antigos e dissociados da realidade, o legislador e o intérprete incorrem em círculos viciosos, que não agregam em nada a discussão e, pior, majoram o problema.

Neste sentido, buscar definir se IoT (internet das coisas), cloud computing (SaaS, IaaS e Paas), Marketplace, Data Center, entre tantos outros negócios que surgem a cada dia, devem ser tributados à luz dos conceitos de “prestação de serviço” (ainda que com base no novo conceito do dado pelo STF no julgamento do RE 651.703) ou “comercialização de mercadoria” se traduz em perda de e ciência, energia, tempo, dinheiro e oportunidades. A discussão deve progredir.

Além disso, ainda que se pudesse enquadrar nos referidos conceitos, diversas outras questões atinentes à relação jurídico-tributária continuariam pendentes: (a) quando se daria o fato gerador; (b) quem é o ente responsável pela arrecadação; (c) qual o sujeito passivo que deve recolher o tributo; (d) qual a base de cálculo a ser utilizada para o cálculo do imposto; entre outras.

Com efeito, pode ser aferido que é necessário simplificar: menos é mais. Nesta linha, o debate deve versar sobre a forma de simplificar a tributação da economia digital –ao contrário do que se vê na prática – não de buscar inseri-la, de maneira esdrúxula, nos conceitos atualmente existentes. Isso porque, apesar de o fim ser o mesmo, a sistemática e as ferramentas da economia digital diferem da economia presencial e o direito deve acompanhar referidas mudanças.

As reformas tributárias que tramitam no Congresso Nacional visam, de certa forma, solucionar a problemática, porém, não respondem, de forma assertiva, duas questões cruciais: (i) como será feita a repartição entre os entes federativos acerca dos valores arrecadados em ambiente digital (principalmente quando a relação jurídico-privada envolver mais de duas pessoas); e (ii) em qual momento se torna devido o tributo indireto (seja como for a denominação conferida pela Proposta de Reforma).

Estas são questões determinantes para fins da tributação indireta da economia digital.

Uma alternativa seria deixar de lado toda essa insegurança jurídica e gastos desnecessários (e.g. intensificação do contencioso tributário), em busca de simplificar o sistema, identificar uma grandeza econômica factível às empresas do setor (e.g. receita bruta), e atribuir à União a responsabilidade pela arrecadação e a distribuição dos valores aos entes federados.

Discussões envolvendo o Pacto Federativo são relevantes, porém, é necessário ter em mente as funções do Estado Brasileiro (entre elas: livre iniciativa, função social da empresa e pleno emprego, garantia do desenvolvimento nacional), assim como a função do tributo na sociedade (não única e exclusivamente arrecadatória).

Como consequência, empresas do setor teriam maior interesse e garantia em investir no país, que, hoje, não confere nem a possibilidade de o sujeito passivo identificar qual tributo se recolhe em sua atividade mercantil – imagina, então, saber os outros elementos da relação jurídico-tributária. -, o que, em última instância, fomentaria a economia e enriqueceria o país que, em tempos de crise, encontra-se em busca de inovação.

[1] https://www.nasdaq.com/market-activity/stocks
[2] https://www.nasdaq.com/market-activity/index/ixic
[3] https://br.investing.com/indices/bovespa
[4] https://br.investing.com/indices/nyse-composite

ANDRÉ CORRADI

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

André atua nas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico, envolvendo direito civil, recuperação judicial, dentre outros.

Tem experiência em responsabilidade civil, contratos, direito do consumidor e outros.

 

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do Lobo de Rizzo Advogados.

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT).

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Mannheimer, Perez e Lyra advogados Advogados (MPL).

THIAGO QUINTANILHA

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.
Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).
 

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
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