A tributação das vendas internacionais e seus impactos no futebol brasileiro

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Na carona do aumento das cifras do futebol mundial, é cada vez mais comum acompanhar as operações de venda para o exterior que envolvem jogadores brasileiros de futebol. A título exemplificativo, somente nesta janela “de verão” (2022/2023) foram realizadas 33 (trinta e três) operações de venda de jogadores brasileiros para a Europa, em valores iguais ou superiores a 5 milhões de euros[1] mesmo número da última temporada (2021/2022, considerando as duas janelas de transações).

Atualmente, as receitas de bilheteria e direitos de televisão tem divido holofotes com inúmeras outras fontes de receita, tais como patrocínio, venda de materiais esportivos, venda de ingressos, assinaturas de sócios torcedores e, o mais importante, a venda de jovens jogares a clubes europeus, tendo em vista as altas cifras envolvidas, potencializadas pela recente desvalorização do real frente ao euro.

Neste cenário, o Brasil possui grande destaque, sendo um dos maiores celeiros de atletas jovens (masculino e feminino) do esporte com maior número de praticantes no mundo, com forte interesse em jovens jogadores por parte dos grandes clubes europeus, cada vez mais interessados em contratar – a valores mais acessíveis – atletas que ainda não atingiram seu potencial.

Historicamente falando, um dos elementos que ajudam a entender melhor esse cenário aconteceu na década de 1990, quando fora criada no continente europeu a denominada “Lei Bosman”. Em resumo, foi a lei que permitiu que os clubes pudessem deter em seu elenco um número maior de jogadores com nacionalidades de outros continentes. Outra importante mudança foi a possibilidade de os atletas deixarem os seus clubes após o encerramento do vínculo contratual.

Diversas normas foram editadas a partir de então e, no Brasil, a “Lei Pelé”[2] internalizou os principais elementos da Lei Bosman no futebol brasileiro, de forma a regulamentar importantes aspectos atrelados às relações contratuais entre clubes, atletas e empresários.

Obviamente que, com o desenvolvimento do mercado, as instituições envolvidas se ajustam e analisam o tema com maior base e novos entendimentos. E, aqui, reside o tema do presente artigo. Isto porque, com o aumento da transação de atletas de diferentes nacionalidades, o montante financeiro movimentado cresceu exponencialmente, assim como os fluxos financeiros criados entre o Brasil e os países de destino dos atletas brasileiros vendidos.

Nesta linha, os órgãos fiscais – brasileiros e internacionais – passaram a integrar o rol de personagens que envolvem as grandes operações de venda dos nossos jogadores.  Em dado momento, a Hacienda Espanhola (equivalente à Receita Federal do Brasil) recebeu uma consulta do Real Madrid Club de Fútbol acerca da contratação de um grande jogador, James Rodriguez (eleito o craque da Copa do Mundo do Brasil). A dúvida do clube espanhol se dava acerca da tributação envolvida na aquisição dos direitos esportistas do atleta, dado que o jogador detinha contrato com o AS Mónaco FC, e, por estar sediado no principado com o seu nome, tal clube não pertencia a União Europeia.

Na ocasião, a Dirección General de Tributos utilizou como premissa, em resumo, que os efeitos da aquisição, ou seja, o local em que o jogador exerce as suas atividades, deveria ser a Espanha. Por isso, a partir de legislação interna do País, a qual estabelece que, se os efeitos da operação são aferidos no próprio território, o imposto sobre a renda devidos sobre a aquisição de direitos intangíveis (na prática denominado “Impuesto sobre la Renta de los Residentes”) deverá ser retido no país, em razão de a aquisição assegurar um incremento de ativo aferido na Espanha. Além disso, para que a regra seja cumprida, a Hacienda atribui a responsabilidade de retenção do imposto para o clube espanhol[3].

No entanto, vale um alerta sobre o tema. Como destacado na própria consulta, uma premissa de extrema importância diz respeito ao fato de que o Principado de Mônaco não era signatário de qualquer Tratado para Evitar a Dupla Tributação com a Espanha, motivo pelo qual a Hacienda se utilizou de tais argumentos para justificar a retenção do tributo na Espanha.

Por outro lado, quando a operação envolve Brasil-Espanha o tratamento descrito acima não deveria ser adotado pelo país europeu, dado que há, neste caso, um Tratado para Evitar a Dupla Tributação[4]. Mas, na prática, a realidade não é como a teoria descreve.

Isto porque, de forma breve, o Tratado Brasil-Espanha estabelece que os lucros das empresas, os ganhos de capital e os rendimentos devem ser tributados somente em um único país, em que, se tratando de operação entre os dois países, se a parte vendedora estiver no Brasil, não haveria que se falar em tributação na Espanha.

Ocorre que, a Hacienda Espanhola também possui uma forte ânsia arrecadatória (similar à Brasileira) e, com isso, enquadra a transação envolvendo jogadores Brasileiros como espécie de royalties, por exemplo. Tal dispositivo, a partir do tratado Brasil-Espanha, autoriza que a tributação possa ser exigida na Espanha e, com isso, o tributo ser recolhido pelo clube europeu.

O resultado disso, na prática, tem sido a mudança de postura dos clubes brasileiros, que preferem vender seus jovens talentos a outros países que não seja a Espanha, ainda que em valores ligeiramente menores, pois, sua margem de lucro será maior, não havendo este tipo de tributação que onera eventuais transações.

De tal forma, é possível verificar a redução de operações envolvendo jogadores brasileiros saindo do Brasil com destino para a Espanha. Neste sentido, vejamos o gráfico abaixo, com as transações – em valores iguais ou superiores a 5 milhões de euros[5] – envolvendo jogadores saindo do Brasil com destino à Espanha[6]:

Na presente janela (2022/2023), do total de 429 (quatrocentos e vinte e nove) jogadores comercializados, entre todas as divisões brasileiras e estrangeiras, o número absoluto de atletas que saíram do Brasil diretamente para a Espanha foi de 5 (cinco), ou seja, apenas 1,1% do total.

Na prática, os clubes brasileiros não deixaram de comercializar seus atletas diretamente para o futebol espanhol, mas é inegável que a estratégia foi a de evitar tal mercado ou, por outro lado, majorar o “passe” do atleta, com a finalidade de embutir no preço o desconto financeiro incorrido com a tributação[7].

A partir disso, podemos concluir que a tributação impacta direta ou indiretamente tudo que consumimos. Assim, é importante compreendê-la pelo aspecto tributário, ampliando o conhecimento para além das quatro linhas.

*Bruno Chatack Marins e Diego Faria Guilherme são sócios do Chatack, Faiwichow & Faria Advogados, especialistas em Direito Tributário e reestruturação de Dívidas, Direito Empresarial e Agronegócio

[1]https://www.transfermarkt.com.br/transfers/saisontransfers/statistik/top/plus/1/galerie/0?saison_id=2022&transferfenster=alle&land_id=26&ausrichtung=&spielerposition_id=&altersklasse=&leihe=

[2] Lei nº 9.615/1998.

[3] https://petete.tributos.hacienda.gob.es/consultas/?num_consulta=V2164-14

[4] Decreto nº 76.795/1975

[5] Vide NR 1.

[6] Não estão incluídos nesta estatística as transferências de jogadores brasileiros realizadas entre países estrangeiros.

[7] https://ge.globo.com/futebol/times/palmeiras/noticia/2022/09/02/entenda-por-que-o-palmeiras-quer-evitar-real-madrid-e-barcelona-em-futura-venda-de-endrick.ghtml

PIETRO RONDÓ

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV/SP.

Curso de Tributação do Agronegócio pela FGV/SP.

Curso de Atualização do Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Curso de Giurisprudenza pela Universidade de Bologna/Itália (Unibo).

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).


Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV/SP.


Curso de Tributação do Agronegócio pela FGV/SP.


Curso de Atualização do Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito
Tributário (IBDT).


Curso de Giurisprudenza pela Universidade de Bologna/Itália (Unibo).

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Pietro Rondó é sócio responsável pela área de Contencioso Tributário (administrativo e judicial).

Pietro Rondó é sócio responsável pela área de Contencioso Tributário (administrativo e judicial).

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Tributário do TozziniFreire Advogados (7 anos).


Ex-integrante da Equipe de Tributário do Lefosse Advogados (2 anos).

Ex-integrante da Equipe de Tributário do TozziniFreire Advogados (7 anos).


Ex-integrante da Equipe de Tributário do Lefosse Advogados (2 anos).

ANDRÉ CORRADI

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

André atua nas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico, envolvendo direito civil, recuperação judicial, dentre outros.

Tem experiência em responsabilidade civil, contratos, direito do consumidor e outros.

 

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do Lobo de Rizzo Advogados.

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT).

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Mannheimer, Perez e Lyra advogados Advogados (MPL).

Foto - Thiago

THIAGO QUINTANILHA

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.
Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).
 

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
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