Por Thiago Quintanilha de Almeida.
O §7º-B do artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial e Falências, introduzido pela Lei nº 14.112/2020, estabelece um delicado ponto de equilíbrio entre a execução fiscal e a preservação da atividade empresarial do devedor em recuperação.
Ao dispor que as execuções fiscais não se suspendem automaticamente pelo deferimento da recuperação judicial, o dispositivo reafirma a supremacia do crédito tributário, cuja execução é orientada por imperativos de ordem pública. Contudo, o §7º-B também concede ao juízo da recuperação a competência para determinar a substituição dos atos de constrição que incidam sobre bens de capital essenciais à continuidade das atividades empresariais. Essa competência suplementar, a ser exercida em regime de cooperação jurisdicional (art. 69 do CPC), expressa o dever de cautela e a preservação do núcleo operativo da empresa, orientando a execução fiscal em harmonia com os objetivos do plano de recuperação.
A disposição contida no §7º-B não visa subordinar o juízo da execução fiscal ao juízo universal da recuperação, mas sim promover uma interação entre instâncias judiciais para evitar medidas que comprometam a continuidade operacional e, portanto, a viabilidade do plano de recuperação. A autonomia da execução fiscal é, assim, mantida, mas ajustada a um contexto de salvaguarda dos bens essenciais à função econômica e social da empresa. Trata-se de um reflexo claro do dever de cautela imposto pelo sistema recuperacional, exigindo que o juízo da execução fiscal, ao planejar medidas constritivas sobre bens imprescindíveis ao funcionamento da empresa, dialogue previamente com o juízo da recuperação.
A razão de ser dessa cautela reside no próprio escopo da recuperação judicial: impedir que medidas isoladas, orientadas apenas pela satisfação de determinado crédito, gerem o colapso econômico e social que a recuperação judicial visa evitar. Atribuir ao juízo universal o poder de substituir atos constritivos revela uma clara disposição legislativa em favor da preservação das atividades empresariais e da função social das empresas, especialmente quando estas se encontram em regime de recuperação. Portanto, o §7º-B, ao autorizar o juízo da recuperação a avaliar e substituir constrições fiscais, resguarda a função primordial da recuperação como instrumento de reorganização empresarial, evitando uma abordagem segmentada que poderia esfacelar o equilíbrio entre o interesse público e a manutenção da atividade econômica.
A doutrina de Fábio Ulhoa Coelho reforça esse entendimento, destacando que, ainda que o Juízo recuperacional não seja competente para determinar a suspensão de atos de constrição advindos das Execuções fiscais, o §7º-B é um mecanismo que mantém a função social da empresa como central na interpretação do sistema recuperacional. Para o Professor Ulhoa Coelho, a intervenção do juízo da recuperação sobre bens essenciais – sob a luz do princípio da cooperação judiciária – atende ao dever de preservação da empresa, ainda que o crédito fiscal mantenha sua primazia.
Por sua vez, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reafirmado tal primazia, ainda que seja mantida a centralidade do juízo universal ao ponderar medidas constritivas. Em precedentes recentes, o STJ tem destacado que, ainda que não sejam suspensas as execuções fiscais, todos os atos de execução individual que comprometam a viabilidade do plano devem ser controlados pelo juízo da recuperação, em razão da função social e econômica da empresa. Esses julgados confirmam que, apesar da autonomia da execução fiscal, o impacto sobre a continuidade da atividade empresarial exige um olhar prudente do juízo da recuperação, especialmente quando há risco de comprometimento do plano.
Nessa perspectiva, o §7º-B exige que o juízo da execução fiscal questione o juízo da recuperação antes de implementar constrições que atinjam bens de capital essenciais. A doutrina e a jurisprudência têm apontado para a importância desse procedimento como garantia da unidade e coerência da recuperação judicial, além de assegurar que o processo recupere o seu real sentido, evitando interpretações que resvalem em contradições ou rompam o elo entre a função de execução fiscal e o princípio recuperacional.
Em última análise, o §7º-B representa uma norma de cooperação e prudência, que favorece a confiança na recuperação judicial e na sua capacidade de preservar empresas e empregos, promovendo um ciclo econômico saudável e alinhado aos interesses da coletividade.