Os bancos e as recuperações judiciais: voto abusivo ou prerrogativa de direito?

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No atual cenário de caos econômico e dos sistemas de saúde, o universo jurídico não poderia andar em caminho diverso e, por consequência, passou-se a pronunciar os termos “Recuperação Judicial” e “Falência” como verdadeiras tendências fashionistas, que provocam acalorados debates entre os mais diversos agentes envolvidos na reestruturação ou bancarrota empresarial.

Em verdade, seria injusto tratar a referida matéria como novidade na seara empresarial, tendo em vista que a Lei 11.101, de 2005, completou recentemente 15 anos de vigência. Porém, considerando o boom de pedidos de Recuperação Judicial decorrentes da Pandemia da COVID-19, nos mais diversos setores produtivos, inegável que a atenção dada ao tema chegou a um nível recorde.

Em decorrência da inserção de mais profissionais na área e, ainda, do posicionamento do Poder Judiciário em temas até então sequer suscitados pelos envolvidos, passou-se a imergir nos conflitos entre as empresas em recuperação judicial as mais diversas classes de credores e os demais agentes auxiliares da judicialização da reestruturação econômica empresarial.

E neste momento, um dos temas em maior destaque dentre aqueles que atuam na área diz respeito ao papel e atuação do setor bancário e sua posição de voto nas Assembleias de Credores, onde decide-se pela aprovação do Plano de Recuperação Judicial apresentado pela empresa em recuperação ou, caso contrário, decreta-se sua falência.

Ainda que o enfoque específico das Recuperações Judiciais se revele bem mais complexo, pode-se resumir a atuação dos bancos como credores com créditos imensamente superiores aos demais envolvidos, posição que lhes concede poder de voto relevante em relação ao plano de recuperação judicial apresentado pelas empresas.

De fato, tal relevância em seu voto, considerado pelo valor do crédito bancário, não pode ser relativizada em desfavor dos bancos que assumem o papel de credores notáveis, que muitas vezes concedem empréstimos milionários em favor das empresas para que elas consigam honrar seus compromissos com empregados, fornecedores e pagamento de tributos.

Ocorre que, no ambiente da Lei 11.101/2005, a renegociação da dívida e seu pagamento passam, invariavelmente, pelo deságio no passivo em discussão, além de carência para pagamento e correção dos valores por índices que nem sempre interessam aos credores. E tal abono e condições especiais vão diretamente no sentido contrário às práticas de mercado habituais ao setor bancário, quase sempre refratário a qualquer abdicação negocial.

A Lei de Falência estipula expressamente que, para a aprovação do plano de recuperação judicial, é necessário que haja a aprovação das classes de credores reais e quirografários que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.

Em um universo de um número bem reduzido de credores, qualquer voto contrário ao Plano de Recuperação, por parte de um credor bancário, tendo em vista os altos valores que na (quase sempre) envolvem seu crédito, poderá acarretar a decretação de falência da empresa em Recuperação Judicial.

Se por um lado a relevância dos votos concedidos legalmente ao setor bancário justifica-se pelos empréstimos de altíssimo valor concedidos às empresas, atualmente vem crescendo entre os juristas o argumento de que tal posição soberana implica em posição extremamente inflexível do setor bancário nas renegociações e formas de pagamento propostas pelos mais diversos Planos de Recuperação Judicial.

Os que defendem os interesses das empresas em Recuperação Judicial alegam que os bancos, muitas vezes atuando de forma inflexível, refutam qualquer hipótese de deságio no valor devido, opõem-se ao uso de taxas que não lhes favorecem, enviam às Assembleias Gerais de Credores representantes sem autorização interna para deliberar sobre eventuais aditamentos ao plano e, recorrentemente, forçam a suspensão da Assembleia por períodos longos, que podem chegar a até 90 dias.

E não são raras as vezes em que, mesmo quando atendidas as mais diversas exigências dos credores bancários, injustificadamente, o voto ao Plano de Recuperação revela-se contrário à sua aprovação.

Tais práticas vêm gerando um ambiente conturbado em muitas assembleias, sendo frequentes as vezes em que as empresas em recuperação judicial se veem obrigadas a ceder aos interesses dos bancos, pois, caso contrário, o voto contrário destes credores significa a decretação de sua falência.

E se tais práticas vinham sendo a razão do naufrágio de diversas empresas até pouco tempo, um novo cenário ganhou forma no universo jurídico, com a intervenção do Poder Judiciário no sentido de aprovar determinados planos rejeitados em Assembleia Geral de Credores, fundamentando-se extensivamente nos poderes conferidos pelo artigo 58 da Lei 11.101/2005, popularmente denominado “cram down”, bem como no princípio da preservação da empresa.

A título exemplificativo, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo inovou na matéria, quando no ano de 2016, referendou, em decisão dividida, a decisão proferida pelo Juiz José Elias Themer, da 7ª Vara do Foro de Sorocaba, que homologou o plano de recuperação judicial apresentado por uma empresa do ramo da construção civil[1], mesmo com a rejeição de bancos que compunham integralmente os créditos verificados na classe de credores com garantia real.

Na oportunidade, levaram em consideração a abusividade dos votos de credores bancários, alegando que os bancos, em nenhum momento, procuraram atender o princípio basilar da Lei de Recuperação Judicial, em observância à função social e preservação da empresa, esculpidos expressamente no artigo 47 daquela norma.

A referida decisão não é isolada ou atípica no âmbito dos tribunais, haja vista a decisão proferida nos mesmos moldes pelo Juiz Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da capital paulista, nos autos da Recuperação Judicial de uma relevante empresa do setor de óleo e gás[2], ainda que a mesma já tenha sua falência em curso.

Nesse contexto, o tema ganha destaque e, com as recentes decisões como as exemplificadas acima, espera-se uma mudança de postura do setor bancário nas práticas que concernem o seu direito de voto em relação aos planos de recuperação apresentados pelas empresas em situação recuperacional.

Por outro lado, a configuração do voto abusivo jamais pode ser relacionada simplesmente ao valor elevado do crédito pertencente a um credor específico, devendo também ser considerado o comportamento destes credores ao longo do processo de negociação para a deliberação do Plano de Recuperação Judicial.

O tema é polêmico e, ao que se espera, novos debates serão observados em um futuro próximo, cabendo destacar que toda a polêmica que envolve o tema tem resultado em uma mudança de postura dos envolvidos nas deliberações em assembleias de credores, seja por parte das empresas devedoras – que objetivam ver seu plano de recuperação aprovado -, seja por parte dos credores com valor relevante – que vislumbram no Poder Judiciário um limitador de seus anseios pouco coletivos.

[1] Agravo de Instrumento nº 2226798-58.2015.8.26.0000 – 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

[2] Recuperação Judicial nº 1037133-31.2015.8.26.0100, Schahin Engenharia S/A e outros – COMARCA DE SÃO PAULO FORO CENTRAL CÍVEL 2ª VARA DE FALÊNCIAS E RECUPERAÇÕES JUDICIAIS

PIETRO RONDÓ

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV/SP.

Curso de Tributação do Agronegócio pela FGV/SP.

Curso de Atualização do Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

Curso de Giurisprudenza pela Universidade de Bologna/Itália (Unibo).

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).


Pós-graduado em Direito Tributário pela FGV/SP.


Curso de Tributação do Agronegócio pela FGV/SP.


Curso de Atualização do Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito
Tributário (IBDT).


Curso de Giurisprudenza pela Universidade de Bologna/Itália (Unibo).

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Pietro Rondó é sócio responsável pela área de Contencioso Tributário (administrativo e judicial).

Pietro Rondó é sócio responsável pela área de Contencioso Tributário (administrativo e judicial).

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Tributário do TozziniFreire Advogados (7 anos).


Ex-integrante da Equipe de Tributário do Lefosse Advogados (2 anos).

Ex-integrante da Equipe de Tributário do TozziniFreire Advogados (7 anos).


Ex-integrante da Equipe de Tributário do Lefosse Advogados (2 anos).

ANDRÉ CORRADI

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

André atua nas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico, envolvendo direito civil, recuperação judicial, dentre outros.

Tem experiência em responsabilidade civil, contratos, direito do consumidor e outros.

 

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do Lobo de Rizzo Advogados.

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT).

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Mannheimer, Perez e Lyra advogados Advogados (MPL).

Foto - Thiago

THIAGO QUINTANILHA

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.
Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).
 

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
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