O Supremo Tribunal Federal (“STF”) firmou, recentemente, o entendimento de que a Imunidade do Imposto sobre o Imposto de Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (“ITBI”) não se aplica quando o “valor dos bens [sic] exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
Como o julgamento foi realizado sob a sistemática da Repercussão Geral, o entendimento firmado no caso deve ser observado pelos Contribuintes e pelos Fiscos Municipais (Tema 796).
Desse modo, o que se propõe a analisar, no presente texto, são os efeitos práticos que referida decisão poderá ocasionar no cotidiano das pessoas e empresas.
Resumidamente, o caso julgado pelo STF (RE 796.376/SC) envolveu uma entidade cujo capital social subscrito e integralizado era de R$ 24.000,00, sendo referido montante representado por bens imóveis. Destaca-se que referidos bens estavam registrados, antes da subscrição do capital, pelo custo histórico na DIRPF dos sócios (book value), cujo montante somado era de R$ 802.724,00.
Em observância às regras contábeis e societárias, os sócios registraram a diferença entre capital social e o custo histórico, na conta de reserva de capital (a título de ágio na subscrição de cotas). Ao analisar referida operação, as Autoridades Fiscais de São João Batista/SC entenderam que deveria ser recolhido o ITBI sobre a parcela incorporada à conta patrimonial que não corresponderia àquela relacionada à representação do capital social.
O caso chegou ao STF, que entendeu, por maioria (7×4), pela procedência da cobrança.
Data vênia, ao analisar o voto vencedor, proferido Ministro Alexandre de Moraes, podem ser verificadas algumas inconsistências em sua fundamentação. A principal delas, em nosso ver, é a seguinte: “a imunidade está voltada ao valor destinado à integralização do capital social, que é feita quando os sócios quitam as quotas subscritas”.
Entendemos ser bastante difícil realizar essa leitura feita pelo I. Ministro. Isto porque, considerando que a Imunidade Tributária deve ser interpretada de forma extensiva (e não restritiva, como fez o Ministro), o texto constitucional é o seguinte: “não incide [o ITBI] sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital” (artigo 156, §2º, I, CF).
Com base nisso, é possível aferir que o texto faz duas exigências para afastar a incidência do ITBI: (i) que os bens sejam incorporados ao patrimônio da PJ; e (ii) que a operação seja “de capital”. Fica claro que, a partir do que foi apresentado, as duas exigências legais foram observadas pelos Sócios da Empresa autuada.
Assim, ao contrário do que foi sustentado pela Suprema Corte, o texto não tem qualquer restrição lógico-semântica para exigir que a operação desempenhada pelo contribuinte envolva exclusivamente a conta de “Capital Social”. O que se exige, por sua vez, é uma operação de capital, a qual, como é sabido, envolve quaisquer contas patrimoniais, entre elas a “Reserva de Capital”.
Apesar do referido impasse, é importante avaliar o alcance deste entendimento, a fim de refletir sobre a forma de gerenciamento de determinados tipos de negócios (e.g. constituição e gerenciamento de holdings).
De início, a discussão analisada pelo STF envolveu um caso em que os bens integralizados eram superiores à representação de capital social. Com efeito, a situação enfrentada diverge daquela relativa ao valor que deve ser aportado pelos sócios.
Ou seja, não se discutiu se o contribuinte pode realizar a subscrição e integralização do capital com base no book value (custo histórico) do bem imóvel, ou, por sua vez, como alegam determinados Municípios, se referida operação deveria ser realizada com base no valor venal dos bens.
Sob esta perspectiva, o entendimento firmado pelo STF: (i) não reforça o posicionamento dos Fiscos Municipais acerca da necessidade de se realizar a integração dos bens imóveis exclusivamente pelo seu valor de mercado; e (ii) reafirma a não incidência do ITBI nos casos em que a integralização dos bens é feita com base no custo histórico (book value) e destinada à conta do capital social.
Assim, na prática, o entendimento pode levar à distorção da relação entre os sócios, representado por cotas diferentes, as quais são consideradas com base no equity aportado.
Não obstante, não se pode perder de vista que o Ordenamento Jurídico propicia aos sócios a possibilidade de celebrar de determinados instrumentos (e.g. acordo de acionistas / quotistas) que visem calibrar eventuais distorções nas suas responsabilidade e prerrogativas.
Outro ponto que chama a atenção no voto do I. Ministro, o qual tende a ser favorável aos contribuintes, é fato de que o entendimento acima aplica-se, inclusive, para as pessoas jurídicas que realizam atividade preponderantemente imobiliária.
Isto porque, de acordo com o entendimento do STF, o afastamento da imunidade tributária do ITBI somente se observaria, em razão da atividade desenvolvida pelo contribuinte, nos casos de incorporação, fusão ou cisão de empresas.