Transferência entre estabelecimentos – outra controvérsia sem resolução

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Na esteira das possíveis alterações da legislação do Imposto de Renda (IR) para as pessoas físicas e jurídicas, em trâmite na Câmara dos Deputados, determinados acontecimentos recentes evidenciam que a problemática fiscal do país não se deve, exclusivamente, em razão das normas confusas e contraditórias de matéria tributária editadas pelos Poderes Executivo e Legislativo.

Isto porque, mesmo quando referidas normas “confusas e contraditórias” são “revistas”, com o objetivo de trazer uma maior clareza, haverá algum lado que, naturalmente, sairá prejudicado com a referida revisão.

E o que se tem visto no país é que a parte que sai “prejudicada” da “revisão” sempre buscará uma forma alternativa de, ao menos, reduzir o seu revés, o que, por óbvio, levará a uma nova problemática, e assim sucessivamente – fato que ajuda a explicar o elevado contencioso fiscal (processos) existente no Brasil. A famosa “briga de gato e rato” em que, fisco e contribuinte se revezam nas respectivas posições.

Para exemplificar, abordaremos no presente artigo o tema relativo a não incidência do ICMS nas operações entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica.

Antes, no entanto, é importante lembrar que referido tema já foi há muito sedimentado, por meio da Súmula nº 166, pelo Superior Tribunal de Justiça[1] (para ser mais específico, em 1996), no sentido de que não há que se falar em incidência do ICMS nas operações entre estabelecimentos da mesma empresa.

No entanto, eram poucos os contribuintes que não destacavam o imposto na dita operação (somente quando lhe era mais benéfico), dada a sistemática não cumulativa de apuração do imposto estadual (débitos x créditos). Paralelamente, os Estados exigiam o recolhimento do ICMS quando um estabelecimento transferia a mercadoria para o outro, especialmente nas operações interestaduais.

Era a denominada “prática de mercado”. A Súmula do STJ, que deve obrigatoriamente ser observada por contribuinte e fisco, era deixada de lado. Para alguns essa é a definição de insegurança jurídica: aquele responsável por cobrar e aquele responsável por pagar simplesmente optam por não aplicar aquilo que ficou decidido pelo terceiro imparcial que busca unificar entendimentos e interpretações.

Ocorre, contudo, que, recentemente (setembro/2020), o Supremo Tribunal Federal (STF) também se posicionou sobre o tema e, na ocasião, reafirmou aquilo que fora decidido pelo STJ há muito tempo[2]: não incide o ICMS nas operações com a mesma pessoa jurídica.

Pois bem. Sem entrar em discussões jurídicas, fisco e contribuinte sabiam que, nos termos da lei (e não de normas e regulamentos editados pelo próprio fisco), o ICMS não incidiria na operação entre estabelecimentos da mesma empresa (a lógica do ICMS presume que a mercadoria seja transferida comercialmente – jurídica e economicamente – e, portanto, não há situação em que uma pessoa jurídica realize uma operação comercial consigo mesma). O leitor otimista diria, “problema resolvido!”, uma vez que com o entendimento do STF, o fisco passaria a reconhecer que não incidiria o imposto na referida transferência, certo? Na realidade, não.

Vejamos o exemplo do Estado de São Paulo. Em Resposta à Consulta publicada no dia 24 de agosto, a Secretaria de Fazenda de SP se manifestou no sentido de que somente observará o entendimento sob discussão quando houver o trânsito em julgado da decisão do STF, o que posterga, ainda mais, as discussões sobre o tema (possibilidade de creditamento pelo destinatário, apuração do ICMS-ST, entre outros)[3].

Sobre o assunto, juristas e contadores são rotineiramente abordados por clientes e colegas que, dentre outras, questionam:

“O que fazer: (a) adotar um acordo de cavalheiros (ou seja, recolher e se creditar), indiretamente onerando o consumidor final ou, por outro lado, (b) deixar de recolher o ICMS, não ter direito ao creditamento e correr o risco de ser autuado?”

Apesar das orientações dadas e do entendimento ter sido consolidado por nossos Tribunais Superiores, a insegurança permanece. Isto porque:

  • o contribuinte não detém uma resposta definitiva sobre como prosseguir em sua apuração fiscal;
  • as autoridades fiscais se posicionaram trazendo ainda mais dúvida (ao invés de clarificar a questão e estabelecer diretrizes sobre a forma de apuração e recolhimento);
  • o judiciário é ignorado; e
  • por óbvio, como (quase) tudo, o consumidor final paga a conta.

Como visto acima, a ideia do presente texto não é de exaurir tecnicamente o assunto ou trazer soluções jurídicas, mas, sim, apresentar a realidade enfrentada pelos stakeholders acima descritos quando tratamos deste e de outros temas fiscais (por exemplo, ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS), os quais têm seguido a seguinte lógica: para cada “solução” apresentada, cria-se, ao menos, uma nova controvérsia. E a solução definitiva parece uma utopia.

No contexto atual de crise econômica, especialmente identificada na alta de preços ao consumidor, ao invés de focar os esforços para aprovar a “reforma do IR”, seria essencial tratar de maneira séria e objetiva os problemas sistêmicos do sistema tributário brasileiro (objetivando uma redução do risco e insegurança fiscal) e de, paralelamente, adotar medidas que simplifiquem o sistema, especialmente quando se trata de tributos “indiretos”, responsáveis pela parcela mais relevante do contencioso tributário nacional.

Não é efetiva a manutenção de um sistema confuso e contraditório, em que cada divergência demora anos para ser solucionada e, quando encontra-se uma alternativa que soluciona a questão, se criam voluntariamente novos problemas que, invariavelmente, agravam ainda mais a situação.

Em resumo, os assuntos fiscais que estão nas mãos das autoridades precisam ser efetivamente solucionados e o Sistema Tributário Nacional precisa ser simplificado e modernizado. O Brasil precisa seguir em frente.

*Alex Schur Faiwichow e Diego Faria Guilherme são sócios do Chatack, Faiwichow & Faria Advogados, especialistas em Direito Tributário.

[1] Súmula/STJ 166: Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.

[2] Tema 1.099: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.”

ANDRÉ CORRADI

FORMAÇÃO ACADÊMICA

Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

André atua nas áreas de Direito Contencioso Cível Estratégico, envolvendo direito civil, recuperação judicial, dentre outros.

Tem experiência em responsabilidade civil, contratos, direito do consumidor e outros.

 

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante da Equipe de Contencioso Cível Estratégico do Lobo de Rizzo Advogados.

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Carvalho, Machado e Timm Advogados (CMT).

Ex-integrante da Equipe de Arbitragem e Contencioso Cível Estratégico do Mannheimer, Perez e Lyra advogados Advogados (MPL).

THIAGO QUINTANILHA

Formação acadêmica

Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.
Graduado em direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP (PUC-SP).
 

Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Mestrando em Direito Econômico e Financeiro pela Universidade de Bologna, Itália.

Graduado em direito na Universidade
Federal Fluminense (UFF), parcialmente cursada na Universidade Sophia
Antipolis (França).

Pós-graduado em Finanças e Contabilidade pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Pós-graduado em Direito do Agronegócio pelo
Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA).

Especialista em Arbitragem, pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV).

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

Thiago Quintanilha de Almeida é sócio responsável pelas áreas de Contencioso Cível Estratégico e Empresarial.

EXPERIÊNCIA

Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
Ex-integrante do Lefosse Advogados.

Ex-integrante do Rocha e Baptista Advogados.

Especialista em Contencioso Cível com ampla experiência em recuperação de
créditos.
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